Pintor

Um pouco mais de sol — eu era brasa.

Um pouco mais de azul — eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…
(Eu bani sempre os licores

Que acho pouco ornamentais:

Os xaropes têm cores

Mais vivas e mais brutais.)
…evocando Maria de Lourdes Belchior
“Céu em Fogo”
A minha carne soa a bronzes de prisão…

………………………………………….

A luz enrijeceu zebrada em planos de aço…
Ao ver escoar-se a vida humanamente

Em suas águas certas, eu hesito,

E detenho-me às vezes na torrente

Das coisas geniais em que medito.
A minha carne soa a bronzes de prisão…

………………………………………….

A luz enrijeceu zebrada em planos de aço…
Asa longínqua a sacudir loucura,

À espira aérea que me eleva aos cumes.

………………

Miragem roxa de nimbado encanto-
Sei a distancia, compreendo o Ar;

Sou chuva de oiro e sou espasmo de luz

Sou taça de cristal lançada ao mar,

Diadema e timbre, elmo real e cruz…
Pressinto um grande intervalo,

Deliro todas as cores,

Vivo em roxo e morro em som…

…………………………….

Quero dormir… ancorar…
Volteiam-me crepúsculos amarelos —,

Mordidos, doentios de roxidão.

…………………………..

Corro em volta de mim sem me encontrar
A minha carne soa a bronzes de prisão…

………………………………………….

A luz enrijeceu zebrada em planos de aço…
Um pouco mais de sol — eu era brasa.

Um pouco mais de azul — eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…
Um pouco mais de sol — eu era brasa.

Um pouco mais de azul — eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…
Um pouco mais de sol — eu era brasa.

Um pouco mais de azul — eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…
Um pouco mais de sol — eu era brasa.

Um pouco mais de azul — eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…
Volteiam dentro de mim,

Em rodopio, em novelos,

Milagres, uivos, castelos,

Forcas de luz, pesadelos,
E eu que sou o rei de toda esta incoerência

Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la

E giro até partir… Mas tudo me resvala

Em bruma e sonolência.
Em raivas ideais ascendo até ao fim:

Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso…

………………………………………..

Tombei…

E fico só esmagado sobre mim!…
Ruiva, a sala do trono

Ecoa roxa aos meus passos.

Sonho os degraus do trono —

E o trono cai feito em pedaços…
— A. Rainha velha é a minha Alma – exangue…

— O Paço Real o meu génio…

— E os dragões são o meu sangue…
Caía Oiro se pensava Estrelas,

O luar batia sobre o meu alhear-me…,

— Noites-lagoas, como éreis belas,

Sob terraços-lis de recordar-me!…
Tapetes de outras Pérsias mais Oriente…,

Cortinados de Chinas mais marfim…

Áureos Templos de ritos de cetim…

Fontes correndo sombra, mansamente…
APOTEOSE:

Mastros quebrados,.. singro num mar de Ouro…
APOTEOSE:

Mastros quebrados,.. singro num mar de Ouro…
APOTEOSE:

Mastros quebrados,.. singro num mar de Ouro…
Lembranças fluidas… Cinza de brocado.:

Irrealidade anil que em mim ondeia…

— Ao meu redor eu sou Rei exilado,

Vagabundo dum sonho de sereia…
Há Oiro marchetado em mim, a pedras raras

Oito sinistro em sons de bronzes medievais

Jóia profunda a minha alma a luzes caras,

Cibório triangular de ritos infernais.
Rasgavam-se cetins, abatiam-se escudos;

Estalavam de cor os grifos dos ornatos.

Pelas molduras de honra, os lendários retratos

Sumiam-se de medo, a roçagar veludos,
Arqueia-me o delírio — e sufoco, esbracejo…

A luz enrijeceu zebrada em planos de aço…
Há roxos fins de Império em meu renunciar —

Caprichos de cetim do meu desdém Astral…

Há exéquias de heróis na minha dor feudal —

E os meus remorsos são terraços sobre o mar…
A sangue se virgula e se desdobra o espaço…

Tudo é loucura já quanto em redor alvejo!…
Traço o manto e, num salto, entre uma luz que corta,

Caio sobre a maldita… Apunhalo-a em estertor…
Caprichos de lilás, febres esguias,

Enlevos de ópio — íris — abandono…

Saudades de luar, timbre de Outono,

Cristal de essências langues, fugidias…
Queria-te nua e friorenta,

Aconchegando-te em zibelinas —

Sonolenta,

Ruiva de éteres e morfinas…
Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata —

Teus frenesis, lantejoulas;

E os ócios em que estiolas,

Luar que se desbarata…
Teus beijos, queria-os de tule,

Transparecendo carmim —

Os teus espasmos, de seda…



Água fria e clara numa noite azul,

Água, devia ser o teu amor por mim…
Minha presença de cetim,

Toda bordada a cor-de-rosa,

Que foste sempre um adeus em mim

Por uma tarde silenciosa…
Meus Boulevards de Europa e beijos

Onde fui só um espectador…

— Que sono lasso, o meu amor;

— Que poeira de oiro, os meus desejos
Oh! regressar a mim profundamente te

E ser o que já fui no meu delírio…

— Vá, que se abra de novo o grande lírio,

Tombem miosótis em cristal e Oriente!
E o Príncipe sonâmbulo do Sul,

O Doge de Venezas escondidas,

chaveiro das Torres poluídas,

mítico Rajá de Índias de tule —
Torne-se a abrir o Harém em festival, —

(Harém de gaze, e as odaliscas seda),..

Que se embandeire em mim o Arraial,

Haja bailes de Mim pela alameda!…
Um vago tom de opala debelou

Prolixos funerais de luto de Astro —

E pelo espaço, a Oiro se enfolou

O estandarte real-livre, sem mastro.
Fantástica bandeira sem suporte,

Incerta, nevoenta, recamada —
Ó nau de festa, ó ruiva de aventura

Onde, em Champanhe, a minha ânsia ia,

Quebraste-vos também ou, porventura,

Fundeaste a Oiro em portos de alquimia?…
Um baile russo a mil cores,

Um Domingo de Paris-,

Cofre de Imperatriz,

Roubado por malfeitores…
Confusão de music-hall,,

Aplausos e brou-u-ha —

Interminável sofá

Dum estofo profundo e mole…
Uma bebida gelada —

Presentes todos os dias…

Champanhe em taças esguias

Ou água ao sol entornada…
Um frenesi hialino arrepiou

Pra sempre a minha carne e a minha vida

Fui um barco de vela que parou

Em súbita baía adormecida…
Baía embandeirada de miragem,

Dormente de ópio, de cristal e anil,

Na ideia de um país de gaze e Abril,

Em duvidosa e tremulante imagem…
…Frente ao porto esboçara-se a cidade,

Descendo enlanguescida e preciosa:

As cúpulas de sombra cor-de-rosa,

As torres de platina e de saudade.
Avenidas de seda deslizando,

Praças de honra libertas sobre o mar —

Jardins onde as flores fossem luar;

Lagos — carícias de âmbar flutuando…
Regaço de namorada,

Meu enleio apetecido —

Meu vinho de Oiro bebido

Por taça logo quebrada…
(Eu bani sempre os licores

Que acho pouco ornamentais:

Os xaropes têm cores

Mais vivas e mais brutais.)
Lord que eu fui de Escócias doutra vida

Hoje arrasta por esta a sua decadência,

Sem brilho e equipagens.

Milord reduzido a viver de imagens,

Pára às montras de jóias de opulência

Num desejo brumoso — em dúvida iludida…
Sozinho de brancura, eu vago — Asa

De rendas que entre cardos só flutua…
O raio do sol da tarde

………………………

Seu efémero arrepio

Ziguezagueia, ondula, foge,
Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado…

Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira…

Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado,

Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.
O que farei na vida — o Emigrado

Astral após que fantasiada guerra.

Quando este Oiro por fim cair por terra,

Que ainda é Oiro, embora esverdinhado?
Que tudo em mim é fantasia alada,

Um crime ou bem que nunca se comete:

E sempre o Oiro em chumbo se derrete

Por meu azar ou minha zoina suada…
Taparam com rodilhas o meu norte,

As formigas cobriram minha sorte,

Morreram-me meninos nos sentidos…
Meu intento porém é todo loiro

E a cor-de-rosa, insinuando afectos,

Mas ninguém se me expande… Os meus dilectos

Frenesis ninguém brilha! Excesso de Oiro…
Que calotes suspensas entre ogivas de ruínas,

Que triângulos sólidos pelas naves partidos!

Que hélices atrás dum voo vertical!
Que grinaldas vermelhas, que leques, se a dançarina russa,

Meia nua, agita as mãos pintadas da Salomé

Num grande palco a Oiro!

— Que rendas outros bailados!
Ah! mas que inflexões de precipício, estridentes, cegantes

Que vértices brutais a divergir, a ranger,

Se facas de apache se entrecruzam

Altas madrugadas frias…
Pelo grande fluido insidioso,

Se volve, de grotesco — célere,

Imponderável, esbelto, leviano…

— Olha as mesas… Eia! Eia!

Lá vão todas no Ar às cabriolas,

Em séries instantâneas de quadrados

Ali — mas já, mais longe, em losangos desviados…

E entregolfam-se as filas indestrinçavelmente,

E misturam-se às mesas as insinuações berrantes

Das bancadas de veludo vermelho
E misturam-se às mesas as insinuações berrantes

Das bancadas de veludo vermelho

Que, ladeando-o, correm todo o Café…

E, mais alto, em planos oblíquos,

Simbolismos aéreos de heráldicas ténues
Bailam no espaço a tingi-lo em fantasias,

Laços, grifos, setas, ases — na poeira multicolor —.
Bailam no espaço a tingi-lo em fantasias,

Laços, grifos, setas, ases — na poeira multicolor —.
Bailam no espaço a tingi-lo em fantasias,

Laços, grifos, setas, ases — na poeira multicolor —.
Era o que faltava na paisagem…

As ondas acústicas ainda mais a subtilizam:.

Lá vão! Lá vão! Lá correm ágeis,.

Lá se esgueiram gentis, franzinas corças d’Alma…
Um novo turbilhão de ondas prateadas.

Se alarga em ecos circulares, rútilos, farfalhantes.

Como água fria a salpicar e a refrescar o ambiente….

– Meus olhos extenuaram de Beleza!
… Começam-me a lembrar anéis de jade.

De certas mãos que um dia possuí-

E ei-los, de sortilégio, já enroscando o Ar…
Divergem hélices lantejoulares…

Abrem-se cristas, fendem-se gumes..

Pequenos timbres d’oiro se enclavinham…

Alçam-se espiras, travam-se cruzetas….

Quebram-se estrelas, soçobram plumas…
Dorido, para roubar meus olhos à riqueza,.

Fincadamente os cerro…

Embalde! Não há defesa:

Zurzem-se planos a meus ouvidos, em catadupas,

Durante a escuridão —

Planos, intervalos, quebras, saltos, declives…

-Ó mágica teatral da atmosfera,
Eia! Eia!

Singra o tropel das vibrações

Como nunca a esgotar-se em ritmos iriados!

Eu próprio sinto-me ir transmitido pelo ar, aos novelos!

Eia! Eia! Eia!…
— Ó sonho desprendido, ó luar errado,

Nunca em meus versos poderei cantar,

Como ansiara, até ao espasmo e ao Oiro,

Toda essa Beleza inatingível,

Essa Beleza pura!