Fernando Pessoa

O encontro com o Fernando Pessoa / astrólogo

Foi por acaso ─ não começam assim todos os acontecimentos que realmente marcam as nossas vidas?

Dizia eu, foi por acaso, que algures em 1981, casualmente, a professora Yvette Centeno me disse “Paulo, já que gosta tanto de Astrologia, por que não vai pesquisar os documentos deixados por Fernando Pessoa? Os estudiosos da área da literatura que investigam o espólio pessoano ─ continuou ─ não entendem nem sabem interpretar um grande conjunto de horóscopos e de papéis com apontamentos de Astrologia.

Então, questionei-a sobre se sabia quantos eram, aproximadamente esses papéis. Disse-me apenas que, como cada sobrescrito tinha cerca de 100 documentos, “penso que são quatro ou cinco envelopes, pelo que devem ser 400 ou 500.”

Acendeu-se em mim uma luz de curiosidade. 400 ou 500 documentos e horóscopos feitos pelo Fernando Pessoa? Fascinado, que sempre fui, pela obra poética de Pessoa, não deixei de pensar nisso durante as horas seguintes. O assunto não me saía da cabeça.

Assim que me foi possível, cheguei à Biblioteca Nacional, à secção dos Reservados /Espólios, para a qual era preciso uma autorização especial. Cumpri todos os procedimentos burocráticos (que não eram poucos).

Quando finalmente tive contacto com o espólio astrológico de Pessoa senti um grande entusiasmo, fiquei verdadeiramente deslumbrado.

Eram realmente poucos envelopes com a menção “Astrologia” mas encontrei muitos mais com material da mesma área.

Nessa medida, havia ainda um conjunto muito maior de documentos que as arquivistas não tinham conseguido identificar, e que reuniram, por exemplo, em sobrescritos com a menção “Sinais” (mais 6 envelopes… cerca de 600 papéis). Eram documentos de Astrologia, Numerologia e Ocultismo, etc.

Resultado: mais de 1000 papéis todos feitos por Fernando Pessoa dedicado aos assuntos do Oculto!

Só aqui ganhei uma noção mais precisa da dimensão do conhecimento profundo, e do laborioso trabalho e dedicação com que Pessoa abordou a Astrologia, Numerologia, Tarot e Ocultismo… Não havia nada a fazer, eu estava irremediavelmente maravilhado.

A vontade de conhecer a fundo essa área da sua actividade tomou conta de mim, não há outra maneira de o dizer.

Conheci, de imediato, o “guardador”, ou seja, o responsável pela área dos Espólios, o Dr. António Brás de Oliveira, que foi alguém que me recebeu com toda a abertura e estímulo para a investigação que eu pretendia levar a efeito.

Nessa altura, e na referida área dos Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal, conheci duas pesquisadoras que trabalhavam nas mesas muito próximas daquela que eu usava habitualmente: a Teresa Sobral Cunha e a Maria Aliete Galhoz, investigadoras e estudiosas de Pessoa, extremamente conhecedoras da obra. Ganhei muita estima por ambas. Entreolhávamo-nos os três, frequentemente, numa certa cumplicidade unida pela admiração e consideração para com Pessoa.

O meu fascínio pela obra astrológica de Pessoa crescia a cada dia. É algo de inexplicável a sensação de se ter um contacto físico com o material escrito por Pessoa, sobretudo na área do místico, do misterioso que é algo verdadeiramente cativante daquele que sempre nos habituámos a conhecer ─ o poeta.

Era um tesouro escondido do mundo exterior, que eu estava a ter a oportunidade de descobrir. A sensação de poder abrir cada um daqueles sobrescritos era de grande expectativa, orgulho e motivação.

A cada conjunto de papéis, fui tendo conhecimento dos horóscopos de cada um dos heterónimos, com cálculos, datas e horas de nascimento, escrupulosamente escolhidas. Apareciam os horóscopos de Shakespeare, Chopin, Mussolini, D. Sebastião, Napoleão Bonaparte. E, na sua grande maioria, uma obsessão: o tema da morte de cada um deles, ou seja, os cálculos dos “motivos astrológicos” que teriam levado ao falecimento de cada personagem estudado pelo Pessoa.

Enquanto tinha um contacto íntimo com o legado do poeta, fui criando uma proximidade tremenda com Pessoa ─ pessoa, homem, alma. Não tenho a veleidade de dizer que era como um amigo, mas. sentia-o como um mestre astrólogo, um mentor, alguem que me falava da Astrologia como os melhores professores que tive, os melhores autores que consultei sobre esta filosofia.

Não me era indiferente o facto de aquelas páginas praticamente intocadas esconderem uma curiosidade astrológica profunda, um trabalho laborioso, tantas vezes baseado em tentativas e mais tentativas.

As referidas estudiosas de Pessoa, Teresa Sobral Cunha e Aliete Galhoz tinham a noção da grandiosidade da obra astrológica do poeta, embora não a conseguissem interpretar.

Aperceberam-se da minha dedicação, ao longo de dias e dias, naquela sala de Reservados no 3º andar, onde tive o privilégio de poder tocar directamente nos documentos de Fernando Pessoa.

É aí que Aliete Galhoz, ao testemunhar a minha quase obsessão com o espólio astrológico, sugeriu que me candidatasse a um apoio de forma a poder estudar os documentos mais aprofundadamente. Assim o fiz, candidatei-me a uma bolsa do Instituto Português do Livro, que me foi concedida. A partir daí, em vez de apenas umas horas por dia, passou a ser o meu trabalho a tempo inteiro.

Com o apoio da Casa da Moeda, e de Vasco Graça Moura, pude encomendar as fotocópias e microfilmes dos documentos mais importantes e estudá-los, a qualquer altura do dia, afincadamente, em minha casa, sem estar sujeito aos horários da Biblioteca. Nessa primeira fase, foram dois anos de dedicação quase exclusiva, dia e noite.

Desse estudo resultaram, pouco depois, dois livros, publicados pela Editorial Estampa em 1990 e 1991: Mar Portuguez – a Mensagem Astrológica da Mensagem, e Mar Portuguez e a Simbólica da Torre de Belém.

Enquanto não surgia uma nova edição, fui fazendo largas centenas de palestras sobre aquilo que ia descobrindo sobre o assunto e em várias locais do nosso país (Universidades, Escolas, Bibliotecas, Auditórios, etc.) e em outros países, tais como: Espanha, França, Bélgica e Brasil. Mais tarde, já em 2011, e com outro fôlego, foi publicada a obra Fernando Pessoa – Cartas Astrológicas, com a preciosa colaboração de Jerónimo Pizarro. Pouco tempo depois, em 2012, foi a vez de se dar à estampa Fernando Pessoa – L’ASTROLOGO, também com a colaboração de Jerónimo Pizarro, na Cavallo di Ferro editore, em Roma, (versão italiana, renovada e com adaptações, da obra anterior).

Uma nova edição será publicada em 2025, em português, no Brasil, e ainda outra, em espanhol.

Os praticamente 2.700 documentos esotéricos encontrados, e por mim classificados, no Espólio de Pessoa, são matéria para, pelo menos, mais 4 livros, que ainda tenho esperança de vir a publicar.

A obra astrológica de Fernando Pessoa e a sua estreitíssima relação, quer com a sua obra poética, filosófica quer com criação rigorosa da sua heteronímia, continua a fascinar inúmeras pessoas ao redor do mundo…

Enquanto puder, irei continuar a divulgar esta deslumbrante faceta pessoana, pois sinto a responsabilidade, e o dever, de poder tornar compreensível a interpretação dos fragmentos que constituem esta área (cerca de 10%) da Obra de Pessoa, que, por grande número de razões, não é acessível à maioria dos amantes deste génio português do século XX.